b.v

Com os 9 anos de idade eu vi que eu não gostava do meu corpo.

Sempre passava aquela garota e eu: “eu quero ser igual a ela, ter o cabelo igual o dela, cabelão”. Essas coisas, sabe? Aí eu fui crescendo, fui ver que eu não gostava de mulher mesmo. Tentei me relacionar com meninas, mas não deu certo. Aí nos meus 13 anos pra 14 eu quis virar trans. Aí eu comecei, botei peito, comecei a tomar hormônio, entendeu? Deixar o cabelo crescer. Aí eu sou o que sou, uma trans.

Aí foi isso, eu quis botar peito, aí botei peito. Como eu fazia programa, minha vida de prostituta foi indo. Eu via que eu queria mais e mais dinheiro, aí quis roubar.

Minha vida antes de morar na rua, eu fazia programa, era uma prostituta. Era não, sou, não vou mudar isso tão cedo. E gostava de ser prostituta, gostava do dinheiro, gostava de ostentar as melhores roupas, entendeu?  

Morava só com a minha mãe e meu padrasto, meu irmão morava no Rio, mas agora ele voltou.

Eu fui criada pela minha mãe, numa casa humilde. Não humilde, mas aquelas coisas. Tinha uma condição boa, boa mais ou menos. Que dá pra manter a gente assim, a minha família.

Fui criada pela minha mãe. E sempre teve aquele carinho de mãe, aquele tudo, mas eu nunca dei valor, mesmo antes. Hoje eu entendo realmente que eu fui o errado da história, por estar presa.

Primeiro eu fui pra uma casa de custódia masculina, chegando lá foi horrível, rasparam o meu cabelo,

eu fiquei um pra dois meses lá. Aí eu conheci outro garoto lá. Como eu tenho um problema, é que eu não consigo ficar com um homem só, eu fui e traí ele, aí ele me agrediu. Acabou que eu vim pra unidade feminina.

Aqui é melhor do que lá. Porque aqui tem coisas, lá também tinha, mas não é a mesma coisa. Não é a mesma coisa como os funcionários trata a gente. Lá é pior como o funcionário trata nós.

Aqui não tem espelho, porque os funcionários tem medo da gente se cortar. Eu não me corto, mas as meninas sim. Por que é depressivo ficar preso.

Minha mãe vem me visitar dia 17, vou ver minha mãe, minha madrinha, minha afilhada, meu irmão, minha irmã que tá pra nascer e a minha irmã de consideração.

Aqui é horrível, ficar preso, nós só vê grade, parede, entendeu? Parece que o tempo nunca passa pra gente que tá aqui dentro. Eu tô aqui há 7 meses.

Aqui é péssimo, é o lugar que filho chora e mãe não vê, não tem nem como explicar.

Com a minha mãe eu sou carinhosa. Com o namorado eu sou mais ou menos, sou arrogante e com os agente também, eu sou chata, sou arrogante, me estresso mesmo. Eu estresso com os outros, porque eu sou atentada. Eu não consigo ficar tranquila.

Com os meus amigos eu gosto, às vezes eu sou simpática, às vezes eu sou grossa. Eu não gosto de nada bagunçado.

Uma cena que marcou na minha infância foi uma cena que, como nós brincava de casinha com os meus primo, eu sempre queria ser a Barbie, as bonequinha.

Aí as minhas primas ficava louca: “não, não, não, só você é a Barbie mesmo, eu quero ser a Barbie!” Eu sempre ganhava a Barbie, chegava até a brigar com elas mesmo, pra ser a Barbie. Era uma infância boa, época boa, né?

A minha infância foi assim. Era uma infância boa, eu gostava. Eu gostava de brincar de pique-esconde, de brincadeira de criança. Aí eu conheci, fui conhecendo gente errada, aí deu nisso.

Também teve outra coisa da minha infância. Eu tinha 4 anos de idade quando aconteceu essa queimadura na perna. Eu quase morri. Tava eu, meu primo e minha madrinha. Aí o carro me atropelou em cima da calçada. O cara bêbado me atropelou em cima da calçada. Eu tava indo para escola. Aí eu sentei esperando meu pai e minha mãe, pra me levar pra escola, o cara passou bêbado e me atropelou, entendeu? Aí eu fiquei debaixo do carro com essa minha perna aqui. Botei platina nela, que o osso saiu pra fora. Fiquei uns 3 meses, 5 meses no hospital. Eu era muito pequena, não lembro quanto tempo. Eu andava mancando assim na ponta do pé.

Eu percebi que eu gostava de fazer programa, por causa de um amigo meu.

Eu trabalhava na pizzaria, aí o dinheiro da pizzaria era R$ 120 por semana, e eu não me contentava com 120 por semana. Meu primeiro cliente me deu R$ 80 para sair com ele, aí quando eu sai, eu comecei a viciar no programa, mas aí não parei mais.

Nesse dia eu nem fiz programa com ele, ele só me pagou pra conversar com ele. Depois eu fiz outro programa com ele. Ele já era velho, 50 e pouco. Ele tinha 50 e poucos anos e eu tinha 13 anos na época.

Bom, que no começo é meio estranho, mas depois nós se acostuma.

Ué, a vida de programa é assim, nós conversa, nós vai. Eu ficava lá no meu ponto atendendo os clientes, eu era conhecida, mas eu também fazia mais programa pelo telefone. Ué, pelo telefone, dava meu número. Aí comecei a fazer programa. Aí eu desci uma vez pra pista, pra fazer programa, pra ver se eu queria descer pra pista. Aí eu desci. Foi um dinheiro bom. Aí eu não era muito conhecida não. Aí passei a ficar conhecida; de um programa ou outro já foi indicando. Aí já foi nisso que eu divulguei meu número, pros bofe, pros cliente. Aí eu fiquei conhecida. Me ligava, eles me ligava. E eu também gostava de trabalhar na rua.

Eu sempre andava com o meu canivete.

Aí eu acabei virando uma máquina de fazer sexo, eu já cheguei a fazer 8 ou 7 programa num dia, os homens veem o nosso corpo como máquina. Eu ganhei muito dinheiro, comecei a sair com outros clientes. Comecei a ficar com aquela “faminha”, mais ou menos baixa, porque eu não sabia de nada, eu não era experiente, nem nada.

Aí com os meus 14 ou 15, eu comecei a entrar pra vida totalmente, comecei a ficar conhecida. Aí, hoje eu sou o que sou.

O meu programa custava 120. Aí tinha cliente que chorava pra baixar pra 60, mas não passava de 80. Mas já cheguei a fazer programa por 50. Mas ele pagava tudo, hotel, tudo. Aí eu podia escolher só pra ele gasta mais dinheiro comigo.

É, se ele quiser alguma coisa a mais no sexo, vai ter que me pagar a mais.

Teve uma situação que eu já saí com o casal mesmo, casado já. Saí até com pastor. Já saí.  Que loucura né? já saí muito com pastor. Era uma pessoa que tava pecando a Deus, aí eu não saí mais. Eu também, né? Porque eu tava saindo com o pastor, eu pequei.

Eu já me apaixonei por um garoto, mas nós se separou porque eu escolhi uma vida e ele não aceitava que eu fazia programa.

Ele quis ficar comigo meio que só pra ele. Mas eu não queria, eu nunca conseguiria ser de um homem só. Eu fui me apaixonando por ele cada dia mais. Aí nós namorava. Eu, tipo, que era casada com ele, porque eu ia morar na casa dele. Até um dia que eu descobri que ele me traía, e eu aceitava porque eu também traía ele, fazendo programa. Ele achava que, ele falou pra mim, que só ia parar de me trair quando eu parasse de fazer programa. Eu falei que eu não ia parar. Aí acabou que deu nisso, nós separamo, tive que separar, mas foi difícil.

Olha, se eu voltar agora pra minha cidade, não vai acontecer nada, entendeu?

Vai ficar aquelas piadinhas do povo, sabe? e vai ficar nisso. Mas eu não vou morar mais lá, eu vou morar aqui no Rio. Vou construir uma nova vida.

Eu quero construir uma vida, eu vou arrumar um marido, vou ficar quieta no meu canto. Minha mãe tá grávida agora, com 3 mezinho. Eu vou ver minha mãe duas vezes no mês, entendeu? Aí vai ser essa a minha vida, vou trabalhar.

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