d.c.

Eu tenho medo de perder meu pai, minha mãe e meus irmão, porque eles são as únicas pessoas que me ajudam.

E eu não posso mais morar com minha mãe, por causa que queriam me matar. Aí a minha mãe, como ela queria meu bem, me mandou ir morar em outro lugar. Às vezes a minha mãe vai lá me ver. Meu pai também, mas eu sinto muita falta deles comigo. Às vezes eu fui lá ver eles, mas era só de madrugada, porque se eu fosse de dia e eles me vissem, eles ia me matar.

Eu tenho três irmão e duas irmã. Um de 25 anos. Uma mora com a minha mãe, que tem 19, não tá presa. O que tem 21 é o que tá preso.

Os meus irmão tudo trabalha na praia.

E eu tenho uma irmã de parte de pai e uma meia irmã de parte de mãe. Mas a de parte de pai, eu não falo com ela não, e a de parte de mãe eu não tenho contato mais com ela não, ela mora lá em Belo Horizonte.

A minha relação com meu pai e com minha mãe era boa, eles me ajudava, me dava de tudo, eu que não soube aproveitar.

Ela cansou de me avisar pra não se misturar com pessoa errada. E eu, como não escutei ela, acabei se envolvendo tanto, tanto, que acabei parando aqui.

É a primeira vez que eu venho pra cá, é a minha primeira passagem. Eu vou ficar aqui até em abril. Cinco meses eu vou ficar aqui, cinco meses.

Antes de acontecer isso eu estudava, eu estudava, fazia curso, era tudo bom. Aí do nada aconteceu isso.

E foi quando minha vida acabou, porque eu não tava perto do meu pai e nem da minha mãe. E essa pessoa que eu moro, trabalha, tipo assim, vai na segunda e só volta na quinta e eu acabava ficando muito sozinha. Eu vivia mais pela rua, aí arrumava uma confusão, ficava fumando maconha, ficava na madrugada até 4 da manhã, 5 da manhã. Ia pro baile quinta, sexta, sábado e domingo. Se eu tivesse alguém perto de mim isso não ia me acontecer.

Ah, eu me envolvi por causa de que eu tava precisando de dinheiro,

porque eu não tava podendo, nem meu pai nem minha mãe, ver eles e pedir dinheiro pra eles. E meu pai também não tava querendo mandar dinheiro pra mim, porque ele tava triste, que ele tava querendo que eu fosse pra casa. Aí eu fui e fiquei lá na boca. Ficava marcando na boca.

Foi no começo do ano, no ano passado, eu tinha 14 anos.

A outra cena é eu andando na rua. Tinha três menino na frente, eu conhecia, tava eu e mais uma menina.

Aí passou um carro branco, desceu dois menor que matou um menino na minha frente.

Amigo não, eu conhecia, falava com ele, mas ele tava mais na frente, mais na frente. Eu andando atrás e ele e mais dois, um tava de bicicleta e saiu andando de bicicleta e ficou só esses dois, aí o carro foi passou, falou: “não corre não, não corre não!” Aí matou ele. Eu não consigo esquecer aquela cena.

Eu corri muito, me joguei no mato, que eu pensei que eles tinha me visto e era de facção rival.

Tem outra cena também, que de manhã, no sábado de manhã, minha mãe tava em casa. Meu irmão chegou do baile e foi levar duas meninas na casa delas. Quando ele foi levar as duas meninas, minha mãe, que acabou de rezar o Pai Nosso, minha mãe falou: “não vai, não vai, não vai”. Aí ele foi levar as duas meninas. Quando chegou lá o cara botou a arma na cabeça dele e bateu muito nele e falou: “só não mato você por causa do seu irmão, o seu outro irmão”. Meu irmão chegou em casa desesperado, pulando o muro. Aí minha mãe falou: “que aconteceu?” Aí ele:  

“o fulano de tal tá lá fora, tá lá fora querendo me matar, mas falou que vai vir aqui dentro”.

Aí eu já entrei em desespero. Ele pegou a bicicleta e saiu andando. Eu fiquei preocupada. Nós não sabemos onde ele tava, aí foi e ligaram pra ele e aí ele falou onde que ele tava. Ele apareceu todo machucado. Não consigo esquecer aquela cena.

Eu não consigo lembrar uma cena feliz... Não tem nenhuma cena feliz...que eu lembre.

Pra mim, cena feliz era quando meu pai minha mãe ia lá pra casa ficar comigo, aí sim é uma cena feliz, que eu me sentia alegre. Todo sábado meu pai ia pra lá, dia de terça minha mãe ia também e é só.

 

Retrato Falado · D.C. 01

Quando era pequena eu sonhei que minha mãe tava em um lugar, o carro capotou e ela morreu.

Aí eu acordei desesperada procurando a minha mãe, procurando a minha mãe. A minha mãe tava deitada no quarto do lado. Isso eu lembro todo dia.

Eu sonhei aqui dentro, que eu tinha saído daqui num dia, quando foi no mesmo dia de tarde, eu fui entrei pra boca de fumo e acabei rodando e voltei pra cá de novo.

Esses dois sonho eu não esqueço.

Eu penso em sair daqui, dar mais orgulho pro meu pai, pra minha mãe,

pros meus irmão e arrumar um trabalho, porque eu sei o quanto eles tão sofrendo. Quero sair daqui de dentro como jovem aprendiz, já com trabalho e começar a estudar e fazer um curso.

Eu sou morena, tenho cabelo black e o olho preto. Sou um pouco grande, muito grande pra minha idade.

Sou uma menina às vezes muito neurótica, desconfio muito das coisa e às vezes eu gosto de fazer amizade com as pessoas.

Não gosto de agir na falsidade com as pessoas. Quando eu gosto, quando eu gosto muito da pessoa, eu faço de tudo pra ajudar ela, não gosto de ver ela triste. Sou uma menina que gosta de ajudar as pessoas e também gosto de ser ajudada, é só isso.

Eu tenho uma cicatriz perto da sobrancelha, que eu tomei um soco na cara.

Eu tenho uma pinta perto da boca, já é de nascença. Meu olho é pequeno, meu nariz é um pouco grande. Minha boca é pequena, minha sobrancelha fina e eu sou um pouco magrinha. Meu cabelo é meio loiro, meio com as pontas queimada de loiro. Minha orelha é pequena, meu rosto é pequeno. Eu tô engordando sabia? É, um pouco. Eu tô engordando, pra mim eu tô engordando. Quando eu cheguei aqui eu tava assim ó, eu tô engordando.

A única pessoa importante pra mim é meu pai e minha mãe, só.

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