m.s.

Hoje é aniversário da minha mãe e ela vai vir me ver.

Quando era pequena morava com ela. Aí eu fugi de casa, desde os meus 11 anos, agora eu tenho 14 anos, porque a minha mãe não deixava eu sair pra lugar nenhum e eu gostava de sair, entendeu? Por causa de que desde pequenininha eu sou assim.

Quando era pequena eu era criada pela minha avó. Minha mãe era mais novinha, tinha uns 20 e poucos anos, ela ia pro bar, aí eu ficava com a minha avó. Quando minha mãe começou a me criar, ela não me deixava sair pra lugar nenhum e eu gostava de sair, eu queria ir pra todo lugar. Eu queria sair e ela não me deixava nem ficar na rua sem ela. Não deixava. Aí eu fui lá e comecei a me revoltar e fui embora de casa. Aí eu comecei a ficar na rua, comecei a usar droga.

Aí teve um dia que eu rodei, foi minha primeira passagem e quem veio me ver foi minha mãe. Aí eu sai, tinha ganhado LA, né? Aí fui pra casa, quando cheguei em casa eu fiquei um dia só e fui embora de novo pra rua.  Fiquei mó tempão na rua, mó tempão, ficava roubando, ficava usando loló, fumando maconha, usando tinner. Aí eu comecei a morar com meu namorado. Eu tava morando lá mó tempão e não ficava ligando pra minha mãe, só ficava falando com ela pelo facebook. É isso aí, eu fiquei lá mó tempão, mó tempão, mó tempão, mó tempão. Aí eu rodei agora de novo. O meu namorado, ele também é ladrão, mas ele tem 18 anos.

Era uma relação tranquila com a minha mãe. Tenho uma irmã de 8 anos e meu pai, mas ele morreu. Eu não conheci ele muito não, ele morreu e quem tava me criando desde pequenininha era o meu padrasto. Meu padrasto tem uma filha que é minha irmã de consideração, então de pai e de mãe eu sou filha única.

Quando eu era pequenininha, com uns 7 anos por aí, a minha avó morreu. Aí foi quando eu comecei a morar com a minha mãe. Acho que minha mãe tinha uns 19 anos quando eu nasci. Agora ela trabalha, ela é da igreja, não frequenta mais o baile funk, não usa mais droga, que ela usava muito, muito, muito. Muito mesmo.

Eu tenho o sonho de ser professora, de dar aula pras crianças, eu adoro criancinha. Eu brincava muito com minha irmã na escolinha.

Quando eu sair daqui eu vou voltar a morar com a minha mãe, frequentar a igreja, respeitar mais ela, porque ela que tá vindo me ver. É só ela, não é meu namorado, nem ninguém. Quem dizia ser meu namorado, cadê? só me liga para saber se eu tô bem e só. Ele não vem me ver e aí eu nem sinto falta dele.

O parente que eu mais gosto, que eu mais gosto é a minha avó e minha mãe, mas minha avó já morreu.

Ela era muito boa comigo, muito, desde pequena era assim, assim com ela. Muito, muito, muito. Quando ela foi embora eu chorei muito. Ela tava assim, acho que se sentindo mal, ela foi no banheiro, aí quando ela sentou no vaso, acho que ela foi fazer cocô, aí quando ela sentou no vaso ela começou a passar mal, muito mal. Aí ela foi pro hospital, ficou na UTI em coma e morreu. 

 

Uma coisa que eu me arrependo é dar o desgosto para minha mãe, esse desgosto que eu tô dando. Eu me arrependo disso.

Me arrependo muito. Quando eu tava lá fora, eu ficava respondendo a minha mãe, eu ficava batendo o pé pra ela, ela não podia falar "não" que eu começava jogar as coisas no chão, tudo no chão. Ela ia lá pegava e me batia, me botava de castigo, mas eu não ficava no castigo. Já fui expulsa da escola no ano passado, não, no ano retrasado. Mais de 3 vezes.  Mais de 3 vezes.

Antes de vir pra cá, quando tava na rua, eu ficava todo final de semana, ia pro baile, ficava arrumando dinheiro, eu queria roubar.

Ficava usando droga todo dia, maconha, ia pra praia quase todo dia, ficava zanzando. Ficava pernoitada. Uso maconha e loló, só que eu parei. E fumava cigarro também. É difícil ficar aqui presa, sem usar, mas tô levando né?

Aqui tem vezes que eu fico muito de reflexão, muito, eu sou muito perturbada com todos os plantões. Lá no alojamento às vezes nós discute. Toda hora. Eu tava de reflexão ontem, eu saí hoje.

Ficar de reflexão é ficar dentro do alojamento, tipo, de castigo,

não pode sair pra nada, nem pra comer, eles levam comida pra você lá dentro. Não pode sair pro pátio. Aí se tiver alguma atividade, assim, de basquete, não pode sair. Eu fico de reflexão por causa de que fiz alguma besteira, alguma coisa que o plantão não gostou. Por exemplo: chutei a chapa, xinguei o funcionário, briguei com alguém dentro do alojamento. Aí eles botam de reflexão, dentro do alojamento mesmo.

Quando nós fica de reflexão, quando chega o dia da nossa visita, se você ainda tiver de reflexão você não come nada na visita. Mas eu saí de reflexão hoje, então eu vou comer.

 

Ah, em mim eu gosto de tudo, da minha magreza. Sou magrinha, né?

As menina fica tudo me chamando de magrela, tô nem aí, eu prefiro ser assim do que ser gorda. E o que eu não gosto em mim? Nada.

Essa tatuagem eu rasguei. É, isso dói.

Era o nome da minha namorada do alojamento. Mas a gente terminou, porque era muita briga, discussão dentro do alojamento toda hora. Ela não ficou chateada que a gente terminou não, a gente convive todo mundo no alojamento.

Mas tem uma outra aqui que foi a primeira mulher que eu peguei, que foi na pista. Ela rodou junto comigo, na minha primeira passagem. Ela tá no mesmo alojamento que eu.

Ela foi o primeiro "João" que eu peguei, só que agora ela tá com outra garota lá. Eu fico mais ou menos triste, porque, tipo, eu ainda gosto dela, né? Por causa de que foi a primeira mulher que eu peguei. Aí ela tá lá, mas o nome de "João" dela, o nome de homem dela é outro. Ela é igual um homem. Ela tem cabelo cortado e tudo. É, tem que ver ela pô. 

Ah tanta coisa boa já aconteceu... tanta coisa boa já aconteceu que eu...

O que eu gostava de fazer quando era pequena era ficar correndo pela rua assim, por causa de que onde que eu tava morando, quando era pequena, onde a minha avó morava, era lá no lixão. Aí quando eu era pequenininha eu ficava correndo a rua do valão toda, toda, toda, toda, eu ficava correndo tudo e minha mãe ia correndo atrás de mim. Eu ficava correndo, aí teve um dia que eu me perdi, mas aí a minha mãe conseguiu me encontrar.

 

Eu sou alta, eu sou alta mesmo, eu tenho o cabelo cacheado, eu sou morena, morena, né? Sou magrinha. Calço 39/40. Meus olhos é castanho claro, é claro. Minha sobrancelha é mais ou menos pequenininha, né? Tô com algumas espinhas no rosto, um machucadinho. Minha unha é pequenininha, minha unha do pé também, por causa de quê eu fico roendo.

Tem algumas marcas assim aqui no braço, porque eu me rasgo, no rosto, que foi meu padrasto que deixou. Tenho essas marcas no braço aqui, que eu me corto.

É, eu me corto, me corto por causa de que, nós fica, quando ganha uma internação, com um ódio dentro de nós, dá um ódio, assim, não sei por causa de que.

Nós vai lá e pega o físico e começa a se cortar. Quando eu ganhei internação que eu me cortei, com o ferro, eu me cortei com ferro da nossa cortina, tem uma coisa de ferro que nós arranca dali. Eu não faço isso com muita frequência não. Só de vez em quando.

Agora tem um outro M aqui cortado, da outra menina que eu tô namorando. Ela também escreveu meu nome no braço dela. A tatuagem “mãe e pai” fiz lá fora. E o símbolo do infinito.

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