Eu não conheci meu pai, depois que eu fiz 10 anos de idade que eu fui ver a foto dele, comecei a chorar.
Minha vida foi muito complicada. Não tive pai, perdi meu pai, meu pai morreu, aí eu fui e me revoltei nessa vida.
Fui criado pela minha mãe e pela minha avó. Não conheci meu pai, não. Meu pai morreu. Sumiu. Morreu. Mataram ele. Meu pai era trabalhador. Meu pai era assaltante. Não sei como mataram ele. É muito triste. Eu não conheci meu pai. Quando meu pai morreu, eu era recém nascido, eu nem conheci ele. Queria conhecer ele, queria que ele tivesse vivo aqui comigo pra me dar tudo do bom e do melhor, pai é pai. Pai é tudo pra mim.
Se eu tivesse um filho eu falava pra ele não seguir o meu caminho, pra ele não fazer o que o pai faz. Ia dar uma vida pra ele, falar pra ele estudar, trabalhar. Falar pra ele não se envolver na vida errada não.
Antigamente minha mãe me batia muito, minha mãe me batia. Eu fugia de casa, ela me batia. Aí, hoje em dia ela não bate mais não. Eu tinha 14 ano, tem 4 anos atrás. Ela me batia de vara, de cinto, de borracha, por que eu saia pra rua, pegava carona em caminhão, andava atrás do caminhão, surfava em cima do trem, ia pra cachoeira sem pedir pra ela, ai ela me batia.
Minha avó não, sempre me deu carinho, nunca me bateu não. Minha avó era mais de vir me dar uma ideia. Falava “não faz isso não, meu neto, isso aí não é certo, quando tu for sair tu pede pra tua mãe, pede pra gente”. Aí minha avó não me batia, não. Só minha mãe mesmo. Mas mãe é mãe, mãe é tudo. Ela batia mas me dava carinho também.
Eu não gostava quando minha mãe bebia. Eu não gostava não!
Minha mãe bebia, chegava em casa bêbada, me batia, em mim e nos meus irmão pequeno. Eu não gostava não. Não tem nada que minha mãe fazia que eu gostava.
Tenho um monte de irmão pequeno. Tenho irmão de 26, de 16 e eu tenho 17. São oito irmão. Tem 7 lá em casa. Comigo é 8. Tem também os dois que têm 10 anos, o que tá com 8 aninho, e tem a que tá com 5 aninho de idade. E tem um de 22 anos. Só. Meus irmão tem vários pai diferentes.
Quando eu conheci uns colega, os colega foi e me chamou pra traficar, eu fui, comecei a traficar e depois, partindo disso, minha vida se transformou. Foi tudo ruim na minha vida.
Se eu pudesse ia parar de fumar maconha, ia estudar, ia trabalhar, ia largar o tráfico, ia parar de fazer minha família sofrer.
Eu comecei a traficar com 15 anos. Agora tô com 17. Já tomei tiro de fuzil pra cima, mas não pegou nenhum em mim não. Já passei quase pela morte. Já tomei tiro em cima, graças a Deus nenhum tiro pegou em mim, se pegasse, hoje em dia era pra mim tá, ou aleijado ou então já era pra mim tá morto. Uma vez, mandei tiro pra cima dos policia.
Comecei trabalhar no tráfico, chegava em casa com dinheiro. Minha mãe perguntava como é que eu ganhava esse dinheiro, falava que eu trabalhava, falava que eu capinava o quintal pros outro. Falava que ajudava os outro na obra. Aí teve um belo dia, que eu fui escondendo, escondendo da minha mãe, e teve um belo dia, que dentro de casa, minha mãe foi e achou uma carga de pó, de cocaína, dentro do guarda roupa. Aí ela: “que quê é isso aqui? Que quê é esse negócio de pó aqui?” Falei: “mãe, vou falar a verdade pra senhora. Eu tô no crime, isso aqui é do gerente, pá, isso aqui peguei emprestado”. Aí ela: “então, de manhã quando tu acordar, tu vai lá e entrega isso, e vê se tu muda de vida!” Até hoje sou do tráfico.
Quando sair daqui eu vou trabalhar, eu vou estudar e eu vou ajudar minha mãe e minha avó. Vou traficar mais não. Vou fazer 18 anos, vou sair daqui com 18. Falta um mês pra mim fazer 18 anos.
Aqui não é lugar pra ninguém não, nem um cachorro merece ficar aqui dentro preso. Ficar preso é muito ruim.
A sensação de tá preso é muito ruim. Me sinto angustiado. Meu coração tá partido de ficar aqui dentro. Só fica dentro do alojamento, só sai só pra fazer um curso, pra técnica, sai ali pra quadra pra jogar uma bola. Fica só dentro do alojamento, anda pra lá, bate de frente com a parede, anda pra cá, tem parede, muito ruim. Ah, onde é que tu vai tem parede! Não tem um lugar pra tu andar tranquilo. Tipo um corredor. Tem que ficar trancado. Acaba de almoçar, entra pra dentro do alojamento. Aí tem que ficar esperando a janta 4 horas da tarde. Acabou de jantar, vai e dorme. Quando é cinco horas da manhã o café, aí tem que tirar almoço tudo de novo. Ruim pra caraca!
Sinto falta da minha família, queria tá lá com meus irmão pequeno, queria tá com a minha mãe. Não passei nem o natal com a minha mãe. Nem o ano novo, nem carnaval, nem dia das mãe, só passei dia das mãe só aqui mesmo com a minha mãe que ela veio me ver. Queria tá em casa, queria tá na rua pra dar um presente pra ela.
O que eu faço mais pra passar o tempo aqui é ver televisão. Não sei ler, não sei escrever direito, estudei até a quarta série, mas aqui não tô estudando ainda não. Mas quando eu sair daqui vou aprender a ler, vou estudar.
Minha mãe vem me visitar toda semana.
Aí pergunto pela minha avó, pergunto pelo meus irmão pequeno, se os meus irmão pequeno tá bem, se não tá faltando nada, se não tá faltando nada lá fora, se tiver faltando eu peço a ela pra ir lá na boca pedir aos cara, meu “pg”, rodei pela boca, meu dinheiro lá, ela vai lá e pega. Ela tá pegando meu dinheiro lá. “Pg” é tu rodar pela boca, tu rodou pela boca tem que ter o ter “pg”. Mesmo que tua mãe não for pegar, quando tu sair tu pega. Tu pega 150, 100 reais, que tu rodou pela boca, é teu “pg”.
Eu sou um cara... sou um cara... sou um adolescente, calmo. É, não dou problema. Tô aqui pra tirar minha cadeia e ir embora mais rápido. Falta 5 meses pra mim ir embora. E na fé de deus eu vou embora. Vou sair daqui, não quero mais nada com o tráfico. Vou sair daqui, vou sair. Vou ficar tranquilo, vou estudar, vou trabalhar, só isso só.
Só brigo às vezes no alojamento. Às vezes dou problema. Mas não tô mais no castigo, não.
Tenho medo da violência, da ruindade, covardia. Tenho medo das pessoa que é covarde, dos homem violento, tenho medo da feitiçaria, macumba, disso. Eu não sou violento.
Gosto de estudar, trabalhar, é... curtir uma praia, curtir uma cachoeira, ir prum shopping, ir pruma pizzaria.
Gosto de comer um arroz, um feijão, um macarrão, uma salada, uma lasanha, um estrogonofe, um carré, uma carne moída, é... um bife, bife milanesa, costela com batata, carne de porco, é.. carne seca, contra-filé, só isso.
Aqui só tem arroz, feijão, é... feijão, frango, é.. carne de monstro, carne seca. Carne de monstro é tipo um bife, que os outro fala, mas é boa. Mas já tô enjoado de comer essa comida. É um ano comendo essa comida.
Gosto também de comer doce de leite, bananada, jujuba, é... doce de goiaba, é... arroz doce.
Uma cena que eu não esqueço?
É uma vez que eu tava traficando, aí o "atividade" foi, ele é olheiro da favela, aí ele lombrou. Lombrou é quando a policia entra. Ele é o vigia da favela. Ele foi e não falou e deixou a polícia passar. Aí, eu vendendo, daqui a pouco a polícia apareceu de trás do poste deu dois tiros de fuzil. Aí eu fui dei dois tiros de pistola pra cima do polícia, aí eu fui correndo. Pulei o quintal do morador, caí em cima de prego. Já cai no chão, já se machuquei todo, tem várias cicatriz. Tenho cicatriz na cabeça de coronhada de arma de polícia. Ele fez assim ó, com a ponta da pistola na minha cabeça “paaf”. Aí foi, bateu assim, o sangue começou a escorrer, aí ele, o policia mesmo me levou pro hospital. Chegou lá lavaram minha cabeça com soro, com álcool, limpou, é... tomei ponto, minha cabeça sangrou muito.
Uma outra vez o milícia me agarrou, quase me matou, me agarrou pela camisa, eu fui e consegui sair pela camisa, ele ficou só com a minha camisa na mão. Graças a Deus hoje em dia eu tô vivo.
Eu já namorei sim, com 14 anos namorei.
Ela mora lá perto de casa, ela. Conheci ela através do colégio, comecei desenrolar com ela, conheci o pai dela, a mãe dela. O pai dela e a mãe dela viu que eu era um garoto, tipo assim, gente boa, foi deixando eu namorar com ela em casa, eu fui e namorei com ela em casa. Trabalhava. Trabalhava no tráfico, mas só que o pai dela e a mãe dela não sabia que eu era do tráfico não. Aí quando eu chegava, dava dinheiro pra ela “toma aí 100 reais”. Levava ela no shopping, comprava roupa pra ela. Eu tinha 15 anos e ela tinha 15. Eu gostei dela. Uma garota muito bonita.
De bicho já tive passarim coleiro, tranca ferro, já tive gato, cachorro... tive não, tenho, em casa.
Meu irmão tá criando meu tranca ferro e meu coleiro. O cachorro e o gato minha mãe que cria. O nome do cachorro é Bethove, e o nome do gato é Siamês. O Bethove é bonitinho.
O passarim tá bem, tá comendo, tá bebendo e tá igual eu, preso. Mas vai ficar lá guardadinho. Não tem como soltar não, que o trinca ferro ele é caro, ele é 3, 4 mil reais. Ele é um passarim caro. Não comprei não, roubei dos milícia. Eu tenho um pouco de pena, mas vou fazer o quê? Eu gosto do bicho, o bicho é bonito, o canto dele é bonito, tu acha que eu vou soltar o bicho? Vou nada! Eu vou é criar ele. Quando eu não quiser mais ele, eu vou vender ele pros outro, da 3 mil, 4mil... vou vender ele. E o coleiro é 500 reais. O coleiro máquina. Ele canta muito. Tem o de 500 e tem o de 3mil.
Quando fui preso pensei “Caraca e agora? tô preso igual meu passarim, e agora? não vou tá em casa pra trocar a comida dele, botar água pra ele, botar ração, comprar alpiste pra ele, acho que meu passarim vai morrer!” Mas não, minha mãe falou, quando ela veio na visita sábado, ela falou: "teu irmão tá lá com teus passarinho lá".
Fiquei pensando: “pô, tô preso, meu passarinho também tá preso, ruinzão”. Mas não vou soltar ele não. Os passarim tem nome, mas agora eu esqueci.
Ah, já tô enjoado dessa cadeia. Mas se eu ficar nessa vida, se eu for preso de novo, eu vou lá pra “maior”. Mas também se eu for pra maior, eu fico tranquilo. Tem cigarro, tem maconha...
Ah tô agoniado já de ficar dentro dessa cadeia. Tem vezes que eu penso em se matar.
Tem vezes que eu penso em se matar amarrando um lençol assim, coisa assim e se enforcar, se matar. Falei pra minha técnica e ela falou que isso daí não é bom. Mas eu também já tô cansado de viver, tô desgostoso da vida tia, minha vida não leva a nada não. É muito difícil mudar de vida. Mas enquanto isso eu vou segurar a onda. Uma hora eu vou embora. Na fé de Deus.
Eu tentei mesmo se matar, meu colega que não deixou. Eu ia se matar. Ia se enforcar, com lençol. Ontem. Eu ia se matar. Meu colega que não deixou. Preparei o negócio pra se matar. Mas eu vou segurar a onda. Eu vou embora, uma hora eu vou embora.
Não quero falar mais nada não...posso cantar?