r.c.

Eu tenho 16 anos. Fui criada pela minha mãe, pelas minhas avós e pela minha irmã mais velha também. Não tive o afeto do meu pai.

A minha mãe me teve com uns 20 e poucos anos, 28 ou 29 por aí, não me recordo direito. Minha relação com ela é ótima, com a minha família toda é ótima. Eu agradeço por ela, pela minha mãe, por ela não ter me abandonado nesse momento difícil na minha vida, pelo meu padrasto também e pela minha irmã. 

Minha infância foi boa. Assim, minha mãe sempre me deu toda educação, todo carinho, todo respeito, mas sendo que eu não quis ouvir o que ela sempre dizia pra mim. Eu sempre pensava que eu era, como que eu posso dizer? que eu era a dona do mundo, a que sabe de tudo, mas sendo que eu não sabia de nada, né?

Meu pai ficou bastante tempo preso também, que ele cometeu um homicídio, um não né? diversos. Aí ele ficou preso minha infância toda, desde quando minha mãe tinha quatro meses de barriga, até os meus 15 anos. Depois quando completou 15 anos que ele ficou preso, aí ele saiu. Agora que eu tô em contato com ele, porque eu não tinha não.

Então, toda minha adolescência e toda minha vida o meu pai tava preso. Aí eu não tive afeto dele. Sinto mágoa, tenho, mas a gente tem que aprender a perdoar.

Minha mãe teve outro esposo, é o esposo dela há bastante tempo, ele me criou também. Minha relação com ele é ótima, porque ele vem nas minhas visitas, não me abandonou também não.

Não sou filha única não, por parte de mãe sou eu e mais uma, por parte de pai é eu e mais três. A relação com meus irmãos de parte de pai não é muito boa não, porque eu não tenho muito contato não. Mas com a minha irmã... ela é minha vida.

Ah, minha irmã é tudo de bom! Tudo que você possa imaginar, pessoa legal. Às vezes ela briga comigo, aí tenho que ficar quieta, fico com cara feia mas fico quieta. Nós temos um afeto, né? porque ela  sempre me chamou de filha, eu sou uma filha que ela nunca teve. Por que minha irmã não pode ter filhos no momento, que ela descobriu que tava com cisto no ovário, aí ela tá tratando pra ela poder ter filho.

Já tô aqui vai fazer 5 meses. Ainda não sei a data da minha audiência, ainda não tá marcada. Mas eu queria tanto ir embora, né? é o sonho de qualquer uma aqui.

Por que aqui não é lugar pra ninguém, nem pro seu pior inimigo, nem pro meu. 

Esse tempo que eu passei aqui foi horrível. Imagina: você vê a sua família só duas horinhas, ela ir embora por aquele portão e você tem que ficar aqui. É horrível, bate um arrependimento, aí volta tudo que você fez, vem uns pensamentos, vem uns pensamentos ruins, mas tem que cortar esses pensamentos, tem que seguir em frente, nunca é tarde.

É minha primeira passagem. A única também, primeira e última. Sou a única da minha família a ter problema com delegacia, presídio, praticamente presídio. Primeira e última também.

E o ruim daqui é que uma faz e todas pagam. Mas por um lado eu entendo também, é pra a gente tentar botar na cabeça dessa menina que fez pra ela não fazer, tentar mostrar o contrário. No momento de raiva ela vai e faz alguma coisa, aí a gente  tem que ir e dizer “não, não é assim” e conversar. Mas por um lado é ruim, porque tem algumas que não escutam. E eu acho que aqui também é um bom lugar para você refletir.

Eu sou muito paciente, porque tudo que eu faço aqui eu penso no meu futuro. 

Porque eu tenho que pensar no meu futuro e no meu presente, né? Eu posso fazer uma coisa agora e me arrepender depois. Quando eu parei aqui dentro, eu tive essa noção, que tudo não é do jeito que eu quero, do jeito que eu faço. Eu tenho que parar e pensar um pouco, porque, às vezes o que eu faço aqui dentro, se for pela onda das outras meninas, eu acabo me dando mal.

Aqui é obrigatório ir para escola. Mas é até bom, porque não tem muito o que fazer  lá dentro do alojamento. É bom, mas também eu sou uma menina esforçada, gosto de aprender as coisas. Tudo que é novo pra mim eu acho interessante, eu gosto, me empenho nas coisas que eu faço. 

 

Tenho vários sonhos, mas o meu maior sonho é servir o exército, virar policial. Polícia Federal. Mas eu ainda vou realizar o meu sonho.

Outro dia eu tive um sonho que eu tava dentro da minha casa, com a minha família, com a minha mãe. E aí depois passou o sonho, quando acordei me deparei com a parede cheia de pichação e as grades, aí eu fiquei... nossa!! é só um sonho mesmo.

Eu me arrependo na minha vida quando eu larguei meus estudos. Só ia pra escola pra ficar lá no pátio. Falava pra minha mãe que eu ia para escola, mas realmente eu não ia, não ia estudar. Cheguei a ir pra escola, mas nem estudava. Aí, eu me arrependo, porque me atrasou um pouco. Um pouco não, bastante. Agora tô na sexta, tava na quinta, passei aqui dentro.

Gosto de escrever, o pior é que eu gosto. Mas aqui não tem folha direito, né?

É, só pode ter folha quando o diretor autoriza. É porque as meninas daqui estão fazendo cartinhas pra mandar lá pro Padre Severino e pro JLA, que é ali na mansão. 

Também não entendo não porquê não pode escrever carta. É a mesma coisa que ver jornal, a gente não pode ver jornal. Ah, só quando vai mudando assim de canal, aí os agentes dão um molezinho, sai pra lá, aí a gente bota no jornal e vê um pouquinho, depois tira. Igual ontem, eu passei assim na Globo, a gente tava vendo novela, aí sempre aparece 15 minutos de reportagem. Aí falou dos Estados Unidos, eu vi assim rápido, tiraram na hora, mas o que eu entendi agora não sei se é verdade. A Hilary não ganhou não? Gente, eu pensei que ela ia ganhar. Gente, tem alguma coisa errada aí!

Uma cena que eu nunca esqueci?

Eu nunca esqueci quando eu vi meu avô lá deitado no caixão, nunca mais esqueci dessa cena. Eu sinto falta até hoje. Que ele também me criou, sempre gostei dele. Depois que ele faleceu, pra mim tudo mudou. Aí eu comecei a virar minha mente, virar minha cabeça. Foi ataque cardíaco. Mexeu muito comigo, né? porque eu tinha ele como um pai. Eu era mais apegada à ele do que com meu padrasto, que a minha mãe tava casada. 

Tinha vezes que ele, meu avô, brigava com a minha mãe, pra minha mãe não brigar comigo, ele dizia: "não briga com a menina, que a menina não fez nada",  "mas ela tá muito abusada". Aí ele ia e falava assim: "mas ela é criança, deixa ela". Ai eu ficava assim "uhmmm..."

autorretratos