u.m.

Minha mãe morreu no hospital. Tuberculose. Foi no dia do aniversário dela. Ela fez 30 anos. Brabão, fia.

Foi péssimo. Foi ruim pra caralho. Minha tia me chamou pra conversar, eu achei que era brincadeira. Chamou eu e meu irmão, nós ficou rindo, que ela não falou nada de morte. Ai ela falou “para de rir, que é sério, pá. Pô, tua mãe faleceu.” Na hora ela me deu a chave da casa, eu sai saindo de cena. Com 11 anos eu sai chorando pra caralho.

Aí eu fui no... como é que se fala mesmo? não, cemitério, não. Onde o caixão fica antes de... fui no velório primeiro. Tinha uns colega da minha mãe da igreja. Várias pessoas. Fiquei lá chorando pra caralho vendo o rosto dela assim, ela deitada assim. Aí depois eu fui pra casa da minha tia. Fiquei na casa da minha tia, fiquei com o meu tio, fiquei com o meu tio de carro pra lá e pra cá. Fomos no mercado, compramos danone vários bagulho. Minha mãe tava cheia de dinheiro, minha mãe. Aí fomos no mercado compramos vários bagulho.

Tipo assim, se eu sabia, que ela tava doente? eu sabia, eu praticamente sabia porque ela tava tomando remédio pra caralho. Às vezes não conseguia nem fazer esforço, às vezes não conseguia nem fazer nada. Aí minha prima vinha e falava pra genta arrumar a casa pra ela. Nós varria tudo, deixava tudo limpinho. Aí minha avó, que morreu também, que era mãe dela, tava no hospital no dia do aniversário dela. Ela pediu pra ir pra casa pra passar com nós. Aí minha avó falou “não, tu não vai pra casa não porque tu não vai querer se cuidar”. Aí deu no que deu que ela morreu, no hospital.

Meu pai? Meu pai eu nem conheci, fia. Meu pai eu nem conheci. Ele me abandonou eu era pequeninho. Nunca vi o sujeito.

O cara me abandonou eu era recém nascido. Sabe o que é isso? A única coisa que minha mãe falava era que ele tinha me abandonado. Eu fiquei tranquilo. Fiquei total. Ele me abandonou eu era pequeno, então pra mim tanto faz e tanto fez. Não conhecia ele mesmo. Queria mais que ele se foda também. O importante é que eu tinha minha mãe ali do meu lado.

Ai depois que minha mãe faleceu eu fui morar com o meu avô.

Tinha meu avô, minha avó, meus irmão. Aí eu fiquei morando lá por um tempo, ajudava ele bastante. Depois teve uma briga dele e do filho dele e ele me expulsou de casa.

Fui morar com meu tio. Aí eu fui usar droga, fui usar maconha. Aí meu tio não gostou e veio me bater. Depois eu fui morar com meu outro tio. Sendo que eu morava na minha casa própria.

Fui morar com meu outro tio, aí ele começou a me esculachar, falou que eu morava debaixo do teto dele e que ele ia me fazer de empregado. Aí eu falei que não ia fazer, aí ele foi e me expulsou de casa.

Aí fui morar com meu outro tio. Aí meu tio também querendo me fazer de empregado, achando que eu tinha que cuidar dos filhos dele pequenos. Aí ele pegou e falou pra mulher dele “se ele ficar assim, expulsa logo ele de casa, pá”. Aí ficava nessa. Ficava nessa querendo jogar as coisas na minha cara, que eu moro debaixo do teto dele, falando que ele que me alimenta. Aí eu já não gostava. Sabe como é que é as coisa, né? O bagulho é doido.

Ficar morando debaixo do teto dos outro é ruizão. Aí eu fui mesmo, voltei pro morro, se misturei, fui roubar, rodei, entrei pra boca, rodei, entrei pra boca de novo, rodei. O bagulho é doido.

Quando eu sai da casa do meu tio me senti um menino abandonado por causa que, tipo assim, falava que era irmão da minha mãe, mas parecia que nem era, quando eu tava morando na casa dele e tava ajudando eu era um bom menino, mas quando eu não tava ela já queria me esculachar.

Começou tipo assim: eu ficava com a mina lá, tipo assim, a mina é sapatão, tá ligada? Nós andava junto. O outro menor também que estudou comigo. Aí falaram assim pra mim: “Pô, teu irmão fuma porque tu não vai poder fumar? Por causa de quem vai poder te proibir?” Aí tá bom, fui na onda deles. Fui fumar maconha, pá.

Meu tio ficou sabendo. Aí ele veio me dar de bambuzada. Nem na escola, pra querer assinar o nome dele lá pra eu poder estudar ele foi. Ô, pra te falar, a avó da mina que eu pegava que arrumou a matrícula na escola pra eu estudar. Acho que ela era diretora da escola. Era um negócio assim diretora ou... cozinheira. Ela falou assim: “Tu vai querer estudar mesmo?” Falei: “Vou!” Ela falou: “Então, vai lá agora.” Aí peguei a bicicleta dessa mina, fui lá, arrumei os bagulho todo. Aí deu no que deu, fiquei três dias só na escola, sai lá no dia seguinte.

Parei de estudar na 4ª série.

Fiquei dando meus pulos, fazendo um biscate aqui outro ali, pá. Depois eu entrei pra boca. Aí eu não dependia mais de ninguém, eu mesmo me alimentava.

É tia, o negócio é doido, tia. Vou fazer 18 agora.

Era gostosinho, ficar ali sentado, pá. Mas tinha umas horas ruim e umas horas boa, tá ligada? As horas boa é que dava uma sucessada pá, de moto, pá, pistola, fuzil. Às vezes nós vai pro baile. bebe um whisky, pá. Fuma um baseado com a rapaziada. Troca uns papo. Tem umas horas ruim. Na hora que os cana entra nós tem que trocar tiro. Aí nós pode morrer, nós pode sobreviver, ficar aleijado. O bagulho é doido, fia!

Eu nunca matei ninguém. Nem quero matar ninguém.

Ser preso ninguém gosta, de passar aqui, não. Mas nós sabe a consciência da vida. Não vejo logo a hora deu meter o pé daqui. Bagulho é doidão, bom pra ninguém não, tia. Bagulho é doido, o processo é lento.

Fui preso pela primeira vez eu tinha 16 anos, fui fazer 17 na internação, na mansão pela primeira vez. Aí Deus me tirou de lá, eu com um mês na interna. Aí eu meti o pé de lá. Nessa que eu meti o pé de lá, eu fiquei um pouco tranquilo.

Eu fiz 17, continuei na boca, aí rodei agora. Rodei com 17. Na minha segunda passagem, eu rodei com 17. Fui embora com dois meses. Aí sai e entrei pra boca de novo, rodei de novo...

Nem sei o que tá acontecendo lá fora. Meu filho que num nasce também. Aquela mina também, pô... nem sei que porra é essa... o bagulho é doidão.

Tipo assim, nessa tese acho que eu que tô errado, tipo assim, eu acho que era pra mina tá morando lá na minha casa, mas, tipo assim, é foda, mulher é foda, tá ligado, não?

Ela ficava cheia de ciúme da outra doida lá. Morava eu e ela sozinho. Nós tinha telefone, nós num tinha botado o fogão e a geladeira na casa não. Tipo assim, cama, sofá, estante, televisão, ventilador, tinha tudo. Cortina nas parede, tinha tudo... Pia... ia pegar a geladeira no salão do meu primo. O fogão eu ia pegar na casa da colega da minha tia.

Mas tipo assim... Todo dia ali eu tava no pé dela. Ela pedia dinheiro pra comer biscoito, eu: “tu num vai comer biscoito, não. Tu vai comer comida. Tu tá grávida, tu tem que se alimentar”. Eu ia lá comprava quentinha, comprava coca-cola, refrigerante e levava lá pra ela, fia. Tipo assim, deixava forte a mina, tá ligado?

Terminei com ela foi quase praticamente por causa da outra mina. Tava ficando com outra garota aí, tipo assim, ela viu eu botando "te amo" pra outra mina também.

Ela ficava cheia de ciúme no bagulho, tá ligado? Nós discutia direto.

Ela falou: “vou pra igreja com a minha irmã”. Tipo assim, nem me perguntou se podia ir, tá ligado? Eu tava achando que ela tava “pá” comigo também, ficando com outro menor que morava perto da casa da irmã dela. “Tá maluco, nem me pediu pra ir nessa igreja aí, fia.” Ela: “eu vou mesmo.” Aí eu: “tu quer ir, tu dorme por lá mermo. Nem sobe pra dormir comigo que eu vou dormir sozinho hoje. Pode ficar por lá mermo.” Aí ela: “Aí então vai lá ficar com tuas piranhas.” Aí tipo assim, saiu saindo.

Aí nessa que ela saiu saindo, eu embiquei pra outra rua de trás, pra outra rua da boca. Aí fiquei lá suave, pá. Aí eu tô no beco com essa mina. Aí comprei um açaí pra mina. Tô lá no beco, suave totalmente.  Daqui a pouco menor entra lá no beco como, ruuup, aí eu já sai na hora. Parecia que tava pressentindo. Pô, essa garota deve tá chegando da igreja, deve tá chegando aqui, querer vir aqui caôza. Nessa que eu sai de perto da mina, que eu tava no beco, ela tava tipo entrando. Sai de bicho, que ela num viu nada. Aí nessa ela falou “sabia que tu tava aqui com essas piranha! Como é que tu não quer que eu disconfie?”, “Tu pode achar que eu tava com a mina, mas eu num tava. Eu tava lá na padaria que eu fui comprar um bagulho pra mim come.”

 

Aí foi nessa, tipo assim, eu que agi da forma errada com a mina tipo assim. Eu tirei a mina da mão da família dela, tá ligado.

Pra morar comigo, aí depois eu dei uma de maluco. Surtei. Acho que eu é que sou o culpado do bagulho. Agora sei nem onde que a mina tá.

A outra doidona lá, fia, que tá namorando comigo... mas, tipo assim ó: terminou. Ela botou na carta falando que terminou. Qual é tia, fala pra ela me abandonar? aí é o bicho! Vamo ver que vai dar quando eu saí. Ai quando eu sair vou ter que dar um pau, tá ligado? Tipo assim, sabe como é que é a vida do crime né? Já foi mulher de bandido a senhora? Nunca foi não? Bagulho é doido, tia.  

Vai tomar uns pescoção lá. As madeirada, sei lá. Se ela me der um papo referente: “ó, terminei contigo por causa disso, disso, disso. Pode ter certeza que eu tipo assim, num tava na safadeza com ninguém aqui fora”, já é. Tipo assim, eu sei como é mulher, tá ligado? Eu sei como é a mina, é tranquilona. A mina estuda, faz curso, faz aula de dança. Eu mermo deixava ela fazer a aula de dança dela. Ela num me proibia de nada, eu já ia proibir, mas o pai e a mãe dela num proibia, quem sou eu pra proibir, tá ligado? Mas eu falei: "se tu quiser fazer aula de dança, quiser ficar lá rebolando a bunda lá pros outro ver, então vai lá é contigo mermo." Mas eu conheço a mina. Mina chegava da escola, ficava em casa, ajudava a mãe dela. Mina tranquilona.

Mas tipo assim, desde essa tese que ela mandou a carta pra mim, que quer terminar comigo. Aí tipo assim, né tia? Tu vai tirar tua visão, né? Tu tem quantos anos? Frisa. Tu vai tirar tua visão: vamo supor que tu é eu. Tipo assim, tu sendo bandido. Bota que tu tá no meu lugar. Só pensando no bagulho. Tu vai tirar tua visão agora aí.

Tipo assim, ela virou pra mim na carta e falou: “tô terminando contigo porque eu não sei o dia de amanhã. Eu não sei o dia de amanhã, vai que eu se apaixono por outro. Vai que eu se apaixono por outro, mas isso não vai acontecer por causa que, o amor da minha vida é você.”

Qual é a visão que tu vai tirar disso? Só dela ter falado assim “vai que eu se apaixono por outro, porque eu não sei o dia de amanhã?" Já é. Qual é a visão que tu tirou? Bota na mente tia. Pra tu vê, nos tava lá fora, eu tava lá fora, nós ia fazer o que? dois meses de namoro com ela. Já se passou cinco, eu preso.

Aí eu te falo: aí que ela tem que botar na mente, tipo assim, se tá eu no lugar dela. Ela presa, tipo assim, ela presa e eu na rua. Eu vô botar a lógica do bagulho: “pô, se eu tava com ele aqui fora, porque agora que ele tá preso eu vou dar uma de maluco e vou abandonar ele? Agora mesmo que eu tenho que ficar no sofrimento com ele, porque quando ele sair, só eu e ele vai saber o sofrimento que nos passou junto. Desde o tempo que nós ficou junto.” Pegou a visão do bagulho, tia? Aí, tipo assim, só eu e ela ia saber o sofrimento que passou. Ela do meu lado todo tempo nessa vida, tá ligado, não? Eu falei pra ela que eu ia sair dessa vida, que ia entregar meus bagulho na boa, pra nós ficar tranquilo. Mas ela deu uma de maluca.

Se pôr no lugar dela, ela é presa, eu lá fora, né? Eu podia dar uma de maluco mesmo, fia. Eu podia também fazer a mesma coisa, pá! Se eu sentisse algum bagulho, pá, assim, de terminar, tipo assim, pra mim falar que eu quero terminar um namoro com a mina assim, eu posso tá muito enjoado da mina mesmo. Eu não sei como ia ser não, não sei minha reação, se ia terminar ou se eu ia tipo assim, traí a mina lá fora, ia continuar com ela, ela presa mesmo, mandando carta. Terminar acho que eu não ia não, papo reto. Acho que tem que tipo assim, acho que elas tem que se colocar no lugar delas de mulher tá ligado? Se ela quiser terminar, qual era a dela? Mandar uma carta pra mim: ”pô, vou esperar você sair, nós vai conversa isso isso e isso, nós vai resolver o negócio da nossa vida...” Já é!

Tava levando mó confiança na mina, a mina vai ficar comigo até eu sair, tipo assim, tenho até uma tatuagem com nome dela aqui no meu aqui braço, mas tipo assim, eu pensei muito antes de fazer essa maluquice, tá ligado?

Que nome de mulher no corpo acho que é só da nossa corôa, tá ligado, ou do nosso filho só.

Eu tenho medo de quê? Ãhn tenho medo nada não, tia!

Medo eu posso ter, tipo assim, de alguém fazer uma covardia comigo quanto eu tiver, sei lá, fia, o bagulho é doido. Quando eu sair não vou ficar lá pelo morro não. Que tem neguinho atentando contra a minha vida, e eu tô ligado legal quem é. Tem que desenrolar um bagulho, bagulho muito alto mesmo que tem que desenrolar na pista quando eu sair daqui, tia! Papo de vida e morte.

Feliz?

Ah tia, nada me faz feliz, não, tia. Sou cheio de ódio no coração. Desde quando minha mãe morreu, eu sou cheio de ódio. Nada me faz feliz. Nada! Não foi nada alegre, não, tia: Minha vida foi toda difícil, complicada. É tia, foi complicada mermo, tia, sério. Eu nunca esqueci e não vou esquecer de jeito nenhum, mermo não, tia, que o bagulho é doido. Mas tipo assim, umas coisa me deixa tranquilo mermo, feliz, eu dou uma risada, pá, dou uma marolada mermo. Com essa mina que mandou essa carta pra mim, eu marolava com ela mermo, nós brincava no portão da casa dela, pá, e ela me dava uns soco, eu dava uns soco nela, leve, nós brincava de porradinha eu e ela pá, algumas coisa assim me deixava tranquilão. Eu ria pra caraca da cara dela.

Quê? como é que vou falar a primeira vez que eu me apaixonei, tia?! Nós se apaixona por mulher nenhuma não, tia! Tá maluca?!

Nós pode gostar mas, mas amar mesmo, nós ama só nossa família, tia! Coé tá maluca, vou falar um bagulho desse aqui nada, ai neguinho vai escutar lá no fone lá: "qual é o menor lá se apaixonou, ahaha" Ai um menor criminoso que nem eu...bagulho é doido, nós não se apaixona por ninguém não, tia.

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